José Geraldo Couto

Hugo Cabret e a máquina do mundo

José Geraldo Couto

20.02.12

A ideia da sociedade humana como engrenagem é introduzida logo no início de Hugo, quando a imagem do mecanismo do imenso relógio da estação de trem se funde com a tomada aérea das ruas de Paris, numa deslumbrante sequência de fantasia moderna que faz pensar em Tim Burton. O relógio, o autômato, os brinquedos da loja de Méliès, os trens, a estação, a cidade - tudo é engrenagem. O próprio Hugo fala a certa altura do receio de ser uma peça descartável na máquina do mundo e da esperança de que sua vida tenha um propósito.

O Oscar na contramão

José Geraldo Couto

13.02.12

Não poderia haver dois filmes mais diferentes entre si. Mas, cada um à sua maneira, dois concorrentes ao Oscar trafegam ostensivamente na contramão de Hollywood. Falo do franco-americano O artista, indicado em dez categorias, e do iraniano A separação, que disputa o prêmio de filme estrangeiro.

Clint e as armadilhas da história

José Geraldo Couto

02.02.12

"Toda história é história contemporânea", escreveu o pensador italiano Benedetto Croce, querendo dizer que sempre enxergamos o passado com os olhos do presente. Essa ideia me voltou à lembrança ao ver J. Edgar, o novo filme de Clint Eastwood. O cineasta e seu roteirista, Dustin Lance Black, colocam em pauta uma série de temas candentes de nosso tempo: a "guerra contra o terror", a invasão da privacidade com fins políticos, as relações de mão dupla entre o poder e os meios de comunicação de massa. É uma obra atual como poucas, em suma.

Tintin e a traição dos heróis

José Geraldo Couto

26.01.12

Alguns colegas críticos, admiradores de Tintin, queixaram-se de uma suposta traição de Steven Spielberg ao espírito do personagem. Apesar do evidente eurocentrismo (para não dizer colonialismo) dos quadrinhos, também sou fã. E não me senti traído por Spielberg. Penso, ao contrário, que o filme em cartaz é uma espécie de casamento perfeito: ninguém melhor que Spielberg para renovar, com os prodígios tecnológicos atuais, a saga do jovem herói criado pelo belga Hergé; e ninguém melhor que Tintin para trazer de volta o vigor criativo juvenil do cineasta.

Música e celebração

José Geraldo Couto

19.01.12

Na primeira vez que vi A música segundo Tom Jobim, o documentário de Dora Jobim (neta do homem) e Nelson Pereira dos Santos, embarquei de tal maneira no fluxo encantatório da música que não consegui prestar atenção à estrutura narrativa do filme, sua organização interna, suas estratégias de edição.

Bergman de trás para a frente

José Geraldo Couto

12.01.12

A televisão brasileira, aberta ou fechada, costuma ser um esgoto a céu aberto. Mas de vez em quando surge na programação um diamante puro que a redime, ao menos por algum tempo. É o caso da Mostra Bergman que o Telecine Cult está exibindo nas noites de sábado e do último domingo deste mês. Como Fellini ou Buñuel, Bergman é mais que um país ou um continente: é todo um planeta. Cobrindo duas décadas da carreira do cineasta, a mostra do Telecine explora uma parte significativa desse território.

Melhores do ano: o que fica do que passa

José Geraldo Couto

31.12.11

Todos fazem sua lista, também vou fazer a minha. Um brevíssimo balanço de 2011 diria que o ano não foi dos piores, nem para o cinema estrangeiro, nem para o nacional.

George Clooney: política é o fim?

José Geraldo Couto

24.12.11

Para Hollywood, não é de hoje que a política é o fim. Não me refiro aos anos negros do marcarthismo, nem aos astros que viraram políticos de direita, como Ronald Reagan e Arnold Schwarzenegger, mas aos filmes propriamente ditos. No cinema americano, a política é um terreno sujo onde os maus entram para se dar bem e os bons se dão sempre mal, enredados numa teia infernal de compromissos, concessões, meias-verdades, intrigas e traições.

Veja estas canções

José Geraldo Couto

16.12.11

Há duas coisas a notar aí. A primeira é que, por recorrer sistematicamente à música - e em especial à canção romântica popular -, As Canções talvez seja o filme mais imediatamente palatável de Eduardo Coutinho, aquele que potencialmente pode comover o público mais amplo. Se melodrama = drama + mélos (melodia), seria As canções um melodocumentário? Embora o melo aqui se refira a música, e não a "meloso" ou "melado", o próprio Coutinho já qualificou seu novo longa de "um filme sentimental".

Clint Eastwood e as liturgias da morte

José Geraldo Couto

09.12.11

O filme que, a meu ver, realiza cabalmente a transmutação humana e artística de Clint Eastwood é Os imperdoáveis, o extraordinário faroeste crepuscular que ele dirigiu e estrelou em 1992. (...) Algumas cenas são eloquentes, em particular aquela em que um jovem falastrão metido a pistoleiro entra numa crise agônica ao ser confrontado com a possibilidade real de matar um ser humano. Poucos momentos do cinema mostraram de modo tão vívido como é difícil, como é pesado, tirar a vida de uma pessoa.