Girimunho e os filmes invisíveis
José Geraldo Couto
07.05.12
Girimunho é um dos melhores filmes em cartaz no país. Sutil e discretamente inventivo, o longa de Clarisse Campolina e Helvécio Marins Jr. observa a vida cotidiana em São Romão (MG), pacato vilarejo às margens do São Francisco. Situa-se na fronteira entre o documentário e a ficção. A exemplo do que ocorre no também mineiro O céu sobre os ombros (2010), de Sérgio Borges, pessoas comuns representam diante das câmeras seu próprio dia a dia.
Cronenberg: a escrita e a carne
José Geraldo Couto
27.04.12
Todo o filme será um desdobramento desse embate: de um lado, as forças vivas e por vezes obscuras da carne; de outro, a busca pela compreensão e controle dessas forças pelo discurso lógico. Freud e Jung são as mentes em busca da resposta. Sabina é a pergunta. Claro que, a partir de certo momento, também ela busca o esclarecimento, mas seu corpo - incluindo o cérebro, órgão mais nobre - segue sendo o campo de batalha central desse drama terrível.
Réquiem pelo Cinema Novo
José Geraldo Couto
20.04.12
O juízo crítico mais implacável sobre o Cinema Novo que conheço eu ouvi anos atrás de Ivan Cardoso, por sua vez representante da segunda dentição "marginal": "Eram advogados, jornalistas, sociólogos, que se serviam do cinema para fins políticos. Não eram cineastas, não amavam o cinema, mal sabiam segurar uma câmera". Claro que há exagero e rancor na declaração. O Cinema Novo produziu pelo menos um gênio (Glauber) e algumas obras-primas. Mas há uma boa parte de sua filmografia que me parece datada, ancorada num discurso populista, programático, verborrágico, não raro panfletário.
Xingu, utopia e tragédia
José Geraldo Couto
13.04.12
"Tem alguma coisa neles que morre para sempre assim que a gente encosta", diz Cláudio Villas Bôas (João Miguel) a certa altura de Xingu, referindo-se aos índios de um modo geral. Essa constatação está no centro do belo filme de Cao Hamburger. É o que lhe dá sentido, convertendo em tragédia o que poderia, nas mãos de um cineasta menos íntegro, ser filmado como um épico.
Heleno, touro domado
José Geraldo Couto
06.04.12
Muito já se falou sobre a proximidade entre Heleno e Touro indomável (1980), a obra-prima de Martin Scorsese em torno do boxeador Jake LaMotta. De fato, a referência é incontornável: ambos tratam de atletas impetuosos e autodestrutivos; baseiam sua força dramática na entrega e na transformação corporal de seus atores protagonistas (Rodrigo Santoro e Robert De Niro); subvertem a cronologia, alternando momentos diferentes da trajetória do herói; lançam mão de recursos estilísticos semelhantes, como a câmera lenta, os supercloses, o uso da ópera na trilha sonora e, claro, a fotografia estilizada em preto e branco.
Raul, o som e a fúria
José Geraldo Couto
30.03.12
O grande feito de Raul - O início, o fim e o meio é o de traduzir em cinema, pulsante cinema, essa trajetória humana e artística destrambelhada. O documentário de Walter Carvalho e Leonardo Gudel reúne uma massa impressionante de materiais - filmes de época, clipes, fotos, depoimentos, notícias de jornal - e os organiza de maneira análoga à produção do biografado, anárquica, explosiva, heterogênea, paradoxal.
Pina: corpo e alma em três dimensões
José Geraldo Couto
23.03.12
Chamar Pina de documentário seria reduzir mesquinhamente sua grandeza e seu alcance. É ensaio, poesia, declaração de amor, manifesto estético, político e moral. Uma obra de risco e entrega, como era de risco e entrega a arte de Pina Bausch.
Fellini na veia
José Geraldo Couto
19.03.12
Como todo grande artista, Fellini supera dicotomias que pareceriam inconciliáveis: o provinciano e o universal, a tradição e a vanguarda, o sagrado e o profano, a razão e a intuição, a nostalgia do que já foi e o sonho do que ainda não é. Seu cinema é, paradoxalmente, multifacetado e sempre o mesmo.
Drive e a reinvenção da roda
José Geraldo Couto
12.03.12
Observado friamente, Drive não é mais do que a competente combinação de duas tradições bastante surradas do cinema hollywoodiano: a dos filmes de perseguição de carros e a da celebração do justiceiro individual. A primeira vertente garante a adrenalina demandada por uma sociedade que tem a volúpia do automóvel e da velocidade.
Porcos, ratos e Selton Mello
José Geraldo Couto
04.03.12
A comédia é o mais difícil dos gêneros. Uma piada ou faz rir ou provoca constrangimento. Não há meio-termo. Há quem morra de gargalhar com o grupo Monty Python, há quem não ache a menor graça. O mesmo vale para Jerry Lewis, Jim Carey, Woody Allen, Casseta & Planeta, Pedro Almodóvar, Cantinflas ou Mazzaroppi. A eficácia do humor depende, em grande parte, de referências culturais e, numa medida maior ainda, de fatores insondáveis, que têm a ver com o temperamento e o estado de espírito de cada indivíduo.
