A estrada para a América
José Geraldo Couto
13.07.12
Walter Salles, a meu ver, dribla a contento o risco de resvalar para o maneirismo e o excesso de estetização. Prova disso são as magníficas cenas musicais. Servindo-se de sua experiência como documentarista, o diretor confere às apresentações de jazz e blues um calor e uma pulsação que me parecem mais intensos e menos artificiais do que os do belo Cotton Club, de Coppola.
Woody Allen em ponto morto
José Geraldo Couto
06.07.12
No festival de cinema de Gramado de 1999, depois da exibição de Tango, de Carlos Saura, Eduardo Coutinho me disse uma dessas frases que valem por uma aula: "Muitos grandes cineastas, quando não têm mais o que dizer, viram fotógrafos". Ou seja: fazem filmes plasticamente exuberantes... e vazios. Talvez não seja bem esse o caso de Para Roma, com amor.
O gótico pop de Tim Burton
José Geraldo Couto
30.06.12
Se há uma marca pessoal no cinema de Tim Burton - e é óbvio que há -, ela reside na maneira como ele justapõe em seus filmes a fantasia gótica e a sensibilidade pop. Dessa mistura, que talvez esteja também por trás do sucesso juvenil de Harry Potter e da saga Crepúsculo, o cinema de Burton, muito mais sofisticado e inspirado, extrai a sua graça, nos vários sentidos da palavra.
A utopia suja de Cláudio Assis
José Geraldo Couto
22.06.12
Febre do rato, de Cláudio Assis, é um filme extemporâneo. Se do futuro ou do passado, ainda não dá para saber. O que vemos na tela, em imagens marcantes de um belíssimo preto e branco, é uma utopia suja, um rascunho de sociedade alternativa, uma cidade que fervilha à margem e nos escombros da Recife "oficial".
Carlão, cinema e vida
José Geraldo Couto
15.06.12
A despeito da ira sagrada contra os podres poderes e a mediocridade geral que nos cerca, Carlos Reichenbach foi até o fim um ser gregário, doce e generoso, fervilhante de sonhos e projetos, amigo do cinema e das pessoas. Era amado por todo mundo: cineastas, atores, técnicos, jornalistas, alunos, cinéfilos. Todos têm alguma lembrança bonita, alguma palavra positiva a dizer sobre ele.
No inferno com Polanski
José Geraldo Couto
09.06.12
Deus da carnificina, o novo filme de Roman Polanski, é uma comédia cruel sobre a fina camada de civilização que encobre a barbárie do homem moderno. A ação se concentra toda num apartamento de classe média alta no Brooklyn nova-iorquino, onde dois casais discutem a agressão violenta do filho de um dos casais ao filho do outro.A origem teatral do texto - a peça homônima da francesa Yasmina Reza - e seu caráter de lavagem de roupa suja entre quatro paredes levaram muitos críticos a mencionar a tradição dos claustrofóbicos psicodramas americanos de Eugene O'Neil, Tennessee Williams e Edward Albee.
O olhar infantil
José Geraldo Couto
04.06.12
Assistindo a O que eu mais desejo, do japonês Hirokazu Kore-eda, me dei conta do óbvio: filmar crianças não deve ser nada fácil. Narrar um filme todo sem abandonar o ponto de vista infantil é um tour de force que poucos realizam a contento.
Homens de preto, homem de branco: excesso e essência
José Geraldo Couto
28.05.12
Neste terceiro da série, os realizadores recorreram a outra ideia já testada com sucesso: a viagem no tempo, que dá ensejo ao comentário cômico e mordaz sobre determinada época e sua cultura. No caso, o final dos anos 60, com seu psicodelismo, sua arte pop, sua contracultura, seus atritos raciais. As piadas com Andy Warhol, Mick Jagger e os astronautas da Apolo 11 são impagáveis. Mas, apesar da eficácia e vitalidade do filme, esse recurso à viagem temporal, esse "retorno às origens", talvez seja um sinal de esgotamento.
O corvo, ou a segunda morte de Poe
José Geraldo Couto
21.05.12
Ao pretender criar um teorema "denso" e engenhoso entrelaçando o autor e suas criações, ao prestar tributo à verossimilhança à moda hollywoodiana, ao hesitar diante do romantismo delirante e tenebroso de Poe, O corvo de certo modo "agathachristizou" o escritor, e o resultado é um filme meramente escuro e pastoso.
O bandido que nos ilumina
José Geraldo Couto
11.05.12
Luz nas trevas - A volta do bandido da luz vermelha, de Helena Ignez e Ícaro Martins, é uma celebração do cinema de invenção e risco. Dialoga de maneira lúdica e criativa com o Bandido original de Rogério Sganzerla, de 1968, obra incontornável de nossa cinematografia moderna. Se o Bandido de Sganzerla era uma colagem antropofágica de influências, unindo Godard e a chanchada, Orson Welles e a Boca do Lixo, Luz nas trevas acrescenta ainda outras camadas de intertextualidade.
